sábado, 2 de julho de 2016

REVOLTA DA CHIBATA (1910)



Entre 22 e 27 de novembro de 1910, marinheiros, cabos e sargentos rebelaram-se na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, contra a situação desumana a que eram submetidos na Marinha do Brasil.



A revolta nasceu dos próprios marinheiros para combater os maus-tratos e a má alimentação e acabar definitivamente com a chibata na Marinha.


E o caso era este. Nós, que vínhamos da Europa, em contato com outras marinhas, não podíamos ainda admitir que na Marinha brasileira o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem, relatou João Cândido, líder do movimento, em depoimento no Museu da Imagem e do Som.



A expressão “Revolta da Chibata” só foi usada a partir de 1958, quase meio século depois, quando o jornalista Edmar Morel lançou um livro com esse título – e que acabou batizando o movimento. A publicação esteve na lista das obras mais vendidas na época, ao lado de outra obra: o romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado.
 
Naquela época, o Rio de Janeiro ainda continuava a exercer, na prática, o papel de cidade imperial da nação. E tinha fortes traços coloniais e africanos, sobretudo nos bairros portuários da Saúde e Gamboa – frequentados pela maioria dos marinheiros, que, somados à área da Praça Onze, formavam o que já foi chamado de Pequena África carioca. Cortiços, sobrados e construções encravadas na rocha compunham a região, considerada o berço do samba, e que também abrigou os primeiros grupos de choro, assim como maxixe.

Ao mesmo tempo, o Rio de Janeiro se modernizava, com a abertura da Avenida Central (hoje, Rio Branco), a demolição do Morro do Castelo e a inauguração de prédios monumentais e europeizados, como o da Biblioteca Nacional e do Theatro Municipal.

Ao longo do século XIX, a disciplina na Marinha foi baseada em regras do período colonial, entre as quais se decretava que os marinheiros seriam “corrigidos por meio de pancadas de espada e chibatada”.


Raros eram os jovens que desejavam ser marinheiros naquela época. O baixo salário, as violências sexuais e as formas de disciplina usadas afastavam os voluntários para o serviço militar. Os homens eram recrutados à força, nas ruas ou prisões. Menores pobres, órfãos e desvalidos costumavam ser enviados por pais, juízes e tutores ao alistamento, encorajados pelo governo, que oferecia o pagamento de prêmios aos responsáveis dos meninos.

                           O ESTOPIM DA REVOLTA


A ideia da rebelião amadureceu entre os marujos por volta de 1908. Da conspiração à organização, foram feitas tentativas de negociação com as autoridades, até que em maio de 1910, João Cândido, considerado líder entre os marinheiros, foi recebido pelo então presidente da República, Nilo Peçanha, e pelo ministro da Marinha, almirante Alexandrino de Alencar. No entanto, não houve nenhuma medida concreta das autoridades para atender as demandas.




Em 21 de novembro de 1910, o marujo Marcelino Rodrigues Menezes, depois de ferir um de seus colegas durante uma briga, foi punido com 250 chibatadas, na presença dos outros marinheiros, dentro do encouraçado Minas Gerais.

Em 22 de novembro de 1910 a revolta tem início.

Isso foi uma  semana após a posse do novo presidente Hermes da Fonseca, dois mil marinheiros se rebelaram e tomaram quatro navios de guerra na Baía de Guanabara. 
 
As embarcações de guerra tomadas foram: Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Deodoro.

As tripulações se rebelaram aos gritos de “Viva a liberdade!” e “Abaixo a chibata!”. A cidade estava na mira dos canhões da Marinha e prestes a presenciar o que o escritor Oswald de Andrade chamou de, "A primeira revolução política que o Brasil teve nesse século – a do marinheiro João Cândido”.
Durante seis dias, apontaram 80 canhões e ameaçaram bombardear a cidade, que, na época, contava com 870 mil habitantes.

 Marinheiros recebem jornalista para dar seu depoimento





Marinheiro Manoel Gregório do Nascimento, líder da revolta no encouraçado São Paulo





 




 


  ANISTIA

João Cândido lendo o decreto de anistia para seu colegas revoltosos

Diante da grave situação, o presidente Hermes da Fonseca e o Congresso Nacional aceitaram todas as condições. Porém, após os marinheiros terem entregado as armas e embarcações, o presidente driblou a anistia e assinou um decreto que permitia a expulsão de todos os marujos cujas presenças fossem julgadas inconvenientes por seus superiores da Armada.

Isso resultou em 1216 expulsões (número equivalente a quase metade dos participantes da revolta), centenas de prisões (acompanhadas de maus-tratos) e um número não contabilizado de mortes.
João Cândido entregando o navio ao comando.


Apesar da sede de vingança dos oficiais da Marinha, eles não foram os únicos responsáveis por tais agressões. O governo referendou todos os atos e, inclusive, promoveu os mais notórios carrascos. A imprensa, até mesmo o jornal Correio da Manhã,  o único dos grandes órgãos que simpatizara com o movimento, incitava à represália contra os marujos. Parte significativa da população também condenava abertamente o governo por ter concedido anistia.


Diante desse quadro, no começo de dezembro, os marinheiros fizeram outra revolta na Ilha das Cobras, desta vez envolvendo as tropas do Batalhão Naval e do navio Rio Grande do Sul. As embarcações com os marujos da primeira revolta não tiveram qualquer participação. 



Esse segundo levante foi fortemente reprimido pelo governo, com a prisão de vários marinheiros em celas subterrâneas da Fortaleza da Ilha das Cobras, com condições de vida desumanas – razão pela qual alguns prisioneiros faleceram. Outros revoltosos foram enviados para a Amazônia, onde prestariam trabalhos forçados na produção de borracha.
 
 Durante a primeira revolta, reconhecido como líder entre os marinheiros, João Cândido fora chamado de almirante e herói pelo escritor Gilberto Amado, em artigo publicado no jornal O País. Depois, em 1912, na Gazeta de Notícias, já era tratado pelo escritor João do Rio como Almirante Negro – apelido pelo qual ficou conhecido.

Apesar de não ter participado na segunda rebelião, João Cândido foi preso, sob a acusação de tê-la liderado. Depois de detido e interrogado, ele foi conduzido à Ilha das Cobras e jogado com mais 17 marujos em uma solitária, onde foram tratados de maneira cruel e desumana.

Traumatizado com as brutalidades sofridas e presenciadas no local, João tinha visões dos companheiros que não sobreviveram às condições impostas em cárcere e, depois de examinado por uma junta médica, foi considerado louco e enviado para o Hospital Nacional dos Alienados, no bairro da Urca – onde hoje funciona um campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Lá depois de os médicos constatarem sua sanidade, foi mandado novamente para a Ilha das Cobras. Apenas em setembro de 1912 conseguiu ser ouvido pelo Conselho de Investigação. Assim como os outros acusados, João foi absolvido com a ajuda de advogados chamados pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, agremiação fundada por escravos alforriados e que abrigava e protegia cativos na época da escravidão.


Ao sair da cadeia, João soube que havia sido excluído dos quadros da Marinha de Guerra do Brasil. Conseguiu trabalho em barcos particulares, como timoneiro e carregador, entre outros. Em todos esses empregos, foi demitido por pressão de oficiais da Marinha sobre os patrões. Até que comprou uma modesta embarcação para pescar no centro do Rio, e vender peixes no mercado do cais Pharoux (Praça XV).


Com a saúde debilitada, João Cândido faleceu em 1969, no Rio. Edmar Morel, o autor de A Revolta da Chibata, pronunciou apenas uma frase à beira do túmulo: “Adeus, João Cândido, você dignificou a espécie humana”.


Em 2008, quase um século depois da revolta, foi sancionada uma lei concedendo anistia post mortem a ele e a outros marujos participantes da revolta.

NASCIMENTO, A.P. do. Contra a chibata, canhões. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, set. 2007.
SILVA, M. A. da. “Nossa Classe” – Revolta da Chibata na imprensa operária, Revista Brasileira de História, São Paulo, 2, (3): 33 – 44, mar. 1982.
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_chibata/
http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/revolta_chibata.htm 
http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/8344-a-revolta-da-chibata



Um comentário:

  1. Viva João Cândido e demais revoltosos, em espírito e exemplo, porque os operadores da chibata opressora devem ser extirpados do convívio social habitado pelos que lutam por igualdade, liberdade e justiça.

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